Em Estremoz, obter resposta às perguntas “Onde mora o Joaquim Guerra?” ou “Onde posso encontrar o Joaquim Guerra?” poderá não ser tarefa fácil. Mas se as perguntas forem “Onde mora o Kinel?” ou “Onde posso encontrar o Kinel?”, a tarefa está muito mais facilitada.
“Kinel” é sobejamente conhecido na cidade e nos concelhos limítrofes, muito por culpa da sua actividade de porteiro, quer nas já extintas discotecas “Tró-Laró” e “Subsolo” ou a servir casamentos e baptizados, mas sobretudo enquanto funcionário na Escola Sebastião da Gama, em Estremoz, onde começou a trabalhar em 1980.
Joaquim Guerra está, após 42 anos enquanto funcionário do também conhecido como Ciclo, a viver um momento profissional complicado. Após 37 anos enquanto porteiro do estabelecimento de ensino estremocense, o funcionário foi agora, e numa decisão que o mesmo não compreende, transferido para outra ala da Sebastião da Gama, não tendo obtido por parte da direcção da escola qualquer justificação para essa transferência.
Em declarações ao Ardina do Alentejo, Joaquim Guerra revela que, antes do ano lectivo 2022/2023 se iniciar, foi questionado por um elemento da direcção da escola sobre qual o local onde “estava a pensar ficar” a desempenhar funções este ano. Perante a questão, Joaquim Guerra referiu estar a pensar ficar “onde estou há 37 anos, até porque sempre obtive «Muito Bom» de classificação”. “Kinel” frisou à nossa reportagem que lhe foi dito que teria de trabalhar no portão com uma colega, tal como já acontecera anteriormente. Não se opondo, Joaquim Guerra disse ao elemento da Direcção que “apenas não trabalho” com uma colega com a qual não fala há já dois anos.
O funcionário da Sebastião da Gama salientou ainda que “tive louvores da Escola Segura, toda a gente de fora me tem dado louvores e agradecido o que fiz pelos seus filhos, que foram aos milhares os que entraram comigo ao portão, nunca houve problema nenhum comigo, lidei com várias raças e etnias, tentei sempre resolver os problemas, alguns melhor que a Direcção e outros até a pedido da Direcção, e agora sou o pior do Mundo”.
Dois dias volvidos, e numa reunião onde estavam os cerca de 50 funcionários da Sebastião da Gama, Joaquim Guerra foi informado, pela direcção, que este ano não ficaria no portão da escola. Incrédulo, “Kinel” perguntou qual a razão para esta transferência e a mesma não lhe foi dada. Ainda durante a reunião, depois de referir que não concordava com a decisão, e “perante o olhar dos meus colegas, que não estavam a acreditar no que estava a acontecer e que nem sequer estavam à espera”, Joaquim Guerra disse “vou limpar a minha imagem e o meu profissionalismo”.
Joaquim Guerra frisou ao Ardina do Alentejo que “quero e vou limpar a minha imagem. O que é que as pessoas vão dizer? Que estou pior da doença que tive? Que eu morri? Que apalpei uma miúda? Que fiz alguma coisa errada? Ao fim de 37 anos ao portão e sou destituído? As pessoas podem pensar tudo!”.
O funcionário da Sebastião da Gama salientou ainda que “tive louvores da Escola Segura, toda a gente de fora me tem dado louvores e agradecido o que fiz pelos seus filhos, que foram aos milhares os que entraram comigo ao portão, nunca houve problema nenhum comigo, lidei com várias raças e etnias, tentei sempre resolver os problemas, alguns melhor que a Direcção e outros até a pedido da Direcção, e agora sou o pior do Mundo”.
Devido à transferência de competências do Estado para as autarquias locais, em matéria de educação, foi dito a Joaquim Guerra que a Câmara Municipal de Estremoz pode ter alguma palavra a dizer sobre este assunto.
Em conversa com a Vice-Presidente da autarquia estremocense, Sónia Caldeira, e num momento em que “a ficha caiu” e onde não “contive as lágrimas”, Joaquim Guerra desabafou e tentou perceber o que é que se tinha passado. Depois desta conversa, “Kinel” ficou à aguardar que Sónia Caldeira falasse com o Director da Sebastião da Gama, José João Espadinha, e que houvesse alguma alteração à decisão anteriormente tomada. Mas até ao dia de hoje está tudo na mesma.
Joaquim Guerra chegou mesmo a afirmar à nossa equipa de reportagem que “esta notícia que recebi agora afectou-me mais emocionalmente, e fiquei mais em choque, que a notícia que me deram, em Lisboa, de que eu tinha um cancro e que não sabiam se iria sobreviver à operação que fiz há quatro anos atrás”. De recordar que em 2018, foi diagnosticado a Joaquim Guerra um cancro maligno na língua. Depois de uma delicada operação e de várias sessões de radioterapia, “Kinel” venceu a batalha e o cancro, ficando apenas com algumas dificuldades na fala, dificuldades essas, que como o próprio referiu, “já foram muito mais notórias”.
Joaquim Guerra termina a conversa com o Ardina do Alentejo salientando que “durante a reunião entre a direcção e os meus colegas, foi dito pela direcção que «queremos que as pessoas estejam nos lugares certos e onde se sintam felizes»… E eu não estou feliz!”
Actualmente os lugares dos funcionários já foram distribuídos, e Joaquim Guerra encontra-se “sentado numa secretária, lá ao fundo, virado para uma parede e sem fazer nada”.
“Kinel” não encontra qualquer justificação para este desfecho. “Não sei se é uma decisão política, mas eu nunca fui político, não sei se é qualquer coisa pessoal, não sei se é má fé, mas há ali um interesse qualquer…” acrescenta. “Não têm um único argumento para me fazerem isto” sublinha. “Na reunião foi salientado que este ano temos de ter mais atenção, mais segurança ao portão porque vamos ter mais miúdos de etnia e acabam por retirar a pessoa mais qualificada e mais experiente para estar naquele posto”, afirma.
Devido aos problemas de saúde que teve, e derivado da retirada de parte da língua que sofreu, Joaquim Guerra tem de comer de duas em duas horas e comidas passadas. “E agora meteram-me num horário das 08 às 14 horas e das 15:30 às 18 horas” frisa.
Joaquim Guerra está prestes a cumprir 63 anos de idade, estando a pouco mais de três anos de atingir a idade da reforma. E está a viver “a pior fase profissional da minha vida!”. “Kinel” assegura ter tido durante estes últimos tempos “a solidariedade dos meus colegas” e de “várias pessoas, incluindo professores e pais de alunos”. Joaquim Guerra termina a conversa com o Ardina do Alentejo salientando que “durante a reunião entre a direcção e os meus colegas, foi dito pela direcção que «queremos que as pessoas estejam nos lugares certos e onde se sintam felizes»… E eu não estou feliz!”.
Fotos: DR