As questões da arte e da beleza sempre estiveram presentes na relação do Homem com a Paisagem. Os seres humanos, ao longo da sua evolução, sempre se relacionaram com a paisagem com a finalidade de dela retirarem proveito, por razões de sobrevivência ou de recreação, e dessa relação surgiram diversas criações, mais ou menos artísticas e mais ou menos “belas”.
Usamos muitas vezes a palavra “belo” para adjetivar aquilo que consideramos bom, que nos provoca um sentimento prazeroso ou de que gostamos. Com efeito, em diversas épocas da nossa História houve uma ligação muito estreita entre o belo e o bom. Vejam-se os exemplos dos ideais estéticos da Antiguidade Clássica, sempre associados à proporção e à harmonia presentes nos fenómenos naturais; da beleza da simbologia da luz e da cor presentes na arte da Idade Média; da beleza da razão e do Homem, que serviu como medida de todas as coisas durante o Renascimento; da beleza inquieta das formas em movimento no Barroco; da beleza do retorno à pureza das formas neoclássicas; da beleza do bucólico no Romantismo e da extraordinária quantidade de novos ideais estéticos que surgem a partir do século XIX e se prolongaram até aos nossos dias, procurando descobrir o valor e a fecundidade presentes na matéria e que lhe conferem beleza. Por isso, Beleza e Arte sempre foram condição do tempo e do espaço com os quais conviveram. A beleza e a arte acompanham o espírito do tempo de determinada época, estando dependentes das suas características sociais, económicas e culturais.
praticamente ainda não tinham sido colocadas nos locais em que estão expostas e sem que se esperasse qualquer tipo de esclarecimento sobre os motivos da exposição, muitas foram as vozes que se levantaram contra a sua instalação. Uns ficaram sem palavras, outros atribuíram-lhe adjetivos pouco felizes, outros ainda queixaram-se da falta de enquadramento, apesar do pouco conhecimento que tinham sobre o tema.
Ainda assim, a verdade é que a relação entre beleza e arte sempre foi muito ambígua, na medida em que, apesar de na maior parte das vezes a arte privilegiar a beleza dos fenómenos naturais e/ou culturais, ela pode representá-los de forma bela, ainda que aquilo que se representa não esteja conforme aquilo que se considera belo e que, pelo contrário, facilmente nos repugna ou nos influencia de forma negativa. Pode esta conversa parecer estranha, mas vejam-se os seguintes exemplos: a célebre “Guernica”, de Picasso, considerada uma das obras-primas do pintor e que, no entanto, é representativa do bombardeio da cidade espanhola com o mesmo nome, durante o regime de Franco. Poderá haver beleza na representação do extermínio de milhares de pessoas? A inquietante complexidade do tríptico do ”Jardim das delícias”, de Hieronymus Bosch, especialmente no painel referente ao Inferno. Que beleza encerra a representação de um local que a todos aterroriza? E o que dizer da cruel e tenebrosa beleza pintada por Goya na representação de “Saturno” a devorar um dos seus filhos? Estes exemplos, entre tantos outros que aqui poderiam ser citados, servem apenas para reforçar a ideia de que, na arte, até a representação daquilo que entendemos como feio pode ser feita de uma forma bela, pois induz em nós uma emoção e uma apreciação estética positiva.
Mais complexa é ainda esta relação entre arte e beleza se pensarmos na quantidade de correntes artísticas que surgiram desde os finais do século XIX até aos nossos dias. Com a idade contemporânea, em especial após o surgimento da corrente impressionista, a beleza da arte deixa de ser guiada por cânones ou ideais estéticos, passando a basear-se na subjetividade das emoções do observador e colocando-se-nos várias questões. Que beleza encontramos na fugacidade do momento captada pelos artistas do Impressionismo? Ou na excessiva decoração da afirmação burguesa na Arte Nova ou na arquitetura do ferro e do vidro? Ou ainda na beleza orgânica do Modernismo, tão presente por exemplo nas obras de Gaudi e seus contemporâneos? Mais subjetivo ainda – poderá um simples objeto de uso quotidiano ser considerado belo?
Se consideramos a arte abstrata e todos os “ismos” que povoam a arte do século XX, rapidamente chegamos à conclusão de que não é fácil atribuir o rótulo da beleza à arte, pois dificilmente encontraremos duas opiniões iguais acerca de uma mesma obra. A estética contemporânea revaloriza a matéria, atribuindo-lhe um valor que vai muito para além da sua realidade física concreta. Na arte do nosso tempo, o mármore de uma escultura, por exemplo, não encerra apenas a forma visível da mesma, mas sim um conjunto de sensações que o artista pretende transmitir com a sua obra e que se revelam através do toque, do cheiro, dos sons ou até mesmo dos sabores. Para além disso, na arte contemporânea, as obras estão invariavelmente sujeitas às leis da física, transformando-se, desgastando-se, desenvolvendo-se. A forma deixa, assim, de obedecer a uma determinada função ou figuração, passando a ser explorada através de um número infinito de possibilidades, com o propósito único de emocionar.
Esta beleza, a que muitos chamam a beleza da provocação, proposta pelos vários movimentos de vanguarda e pelo experimentalismo artístico, não constitui um problema para os seus artistas. Isto acontece porque, para eles, se subentende que qualquer obra de arte é bela e não tem que seguir qualquer tipo de cânones estéticos. A proposta dos artistas contemporâneos nada tem que ver com a proporção e harmonia da natureza, mas sim com a consciencialização de que o mundo pode ser visto com olhos diferentes e de que não existem categorias de beleza facilmente definíveis.

Uma obra de arte, seja qual for, tem sempre subjacente ao ato criativo a intenção de provocar uma sensação em quem a produz e em quem a observa. Tem como intenção prioritária estimular o sentido estético de alguém, de uma população ou de um lugar. Tem uma finalidade, uma teleologia implícita. Teleologicamente a obra de arte propõe-se estimular, expressar e invocar a apreciação estética de quem a observa. É única e desprovida de qualquer função, distinguindo-se por isso dos objetos artísticos, que apesar de serem suscetíveis de provocar um sentimento estético (e portanto uma apreciação da beleza) possuem uma função específica – uma peça de artesanato, por exemplo.
O concelho de Estremoz tem patente uma exposição temporária do conceituado escultor alemão Robert Schad, que resolveu desta forma integrar a nossa cidade, Evoramonte e Veiros no seu Percurso Lusitano, que começa em Valença do Minho, atravessa o país e termina no Algarve. Trata-se de uma exposição única, não só pela dimensão de cada uma das esculturas, mas também pela distribuição espacial das mesmas no território português. As linhas que compõem estas esculturas em aço constituem, tal como o artista define o seu trabalho, um “fio condutor” que atravessa o país, permitindo novos pontos de vista e perspetivas sobre os locais em que as esculturas se encontram em exposição.
Não quero, obviamente, dedicar-me à apreciação e à discussão acerca da beleza ou do valor destas obras de arte pois, como já referi, a minha apreciação estética das esculturas é naturalmente diferente de todas as outras que possam ter surgido ou vir a surgir. Contudo e na minha opinião, todos devíamos ter ficado orgulhosos e agradecidos por ter em Estremoz as obras de Robert Schad, já que mais não fosse pelo facto de um artista de renome internacional ter escolhido o nosso concelho para acolher uma exposição desta dimensão.
Curiosamente, praticamente ainda não tinham sido colocadas nos locais em que estão expostas e sem que se esperasse qualquer tipo de esclarecimento sobre os motivos da exposição, muitas foram as vozes que se levantaram contra a sua instalação. Uns ficaram sem palavras, outros atribuíram-lhe adjetivos pouco felizes, outros ainda queixaram-se da falta de enquadramento, apesar do pouco conhecimento que tinham sobre o tema. Outros gostaram, não lhes causou qualquer impacto ou nem sequer notaram a diferença. É natural. As pessoas foram ao encontro das expetativas do artista e, como vimos atrás, daquilo que é expetável uma obra de arte transmitir – emoções e uma apreciação estética. Só por essa razão, calculo que o Robert Schad esteja a esfregar as mãos de contente, pois pelo menos as suas obras foram faladas e vistas, nem que seja apenas pela curiosidade de ver as supostas aberrações. Centenas de partilhas, likes, dislikes e comentários nas redes sociais, conversas nos cafés, nas esplanadas e nos restantes espaços de convívio do concelho, apenas serviram para dar ainda mais propósito a esta instalação – debater e chamar à atenção para a arte contemporânea, tão incompreendida por todos nós.
Que me desculpem, mas não tolero demagogias. Não podemos estar em silêncio durante tanto tempo e de repente, só porque calha bem, acordamos e falamos ao jeito da maré. Muito menos se o fazemos invocando a liberdade de expressão e nos esquecemos que estamos a deixar lesada a liberdade de expressão dos outros. Neste caso concreto, por que razão não poderia o Robert Schad exprimir-se como bem entendesse?
Só não consigo entender a consternação de alguns perante esta instalação temporária, em especial quando perante outras situações mais prementes se quedam em silêncio. Questões de enquadramento com os monumentos ou os espaços em que se inserem? Estas pessoas querem mesmo falar sobre isso? Sobre o enquadramento dos monumentos? E o restante enquadramento, não fere? Que vozes se levantam contra a instalação de cabos telefónicos e elétricos nesses mesmos monumentos? Ou contra o crescimento de vegetação na sua envolvente, sem que nada façam ou diligenciem? Que têm a dizer sobre a degradação do património e sobre o facto de o Estado não intervir na sua recuperação? Não tenho visto grande preocupação por parte das pessoas que agora subscrevem opiniões sobre o enquadramento da arte na paisagem.
Que me desculpem, mas não tolero demagogias. Não podemos estar em silêncio durante tanto tempo e de repente, só porque calha bem, acordamos e falamos ao jeito da maré. Muito menos se o fazemos invocando a liberdade de expressão e nos esquecemos que estamos a deixar lesada a liberdade de expressão dos outros. Neste caso concreto, por que razão não poderia o Robert Schad exprimir-se como bem entendesse? Pode e deve fazê-lo, ainda mais porque foi legitimado para o fazer por quem tem a responsabilidade de gestão do espaço público, independentemente de gostarmos ou não daquilo que nos apresenta.
Tive muito gosto em conhecer pessoalmente o Robert Schad durante a sua permanência em Estremoz. É uma pessoa simples, humilde e com uma visão muito abrangente do mundo e das coisas, sempre muito preocupado com o tal “enquadramento” das suas obras e no diálogo que pretendia que elas fizessem com os monumentos e com a paisagem. Tanto em Estremoz, Evoramonte, Veiros ou noutros locais onde tem expostas as suas obras de arte, em minha opinião, acho que o faz de forma excecional e que as suas esculturas têm muito valor, opinião que é sempre discutível, o que aceito com a maior das naturalidades.
Robert Schad ficará para sempre na minha memória, não só pela sua forma de ser, mas porque fiquei com a impressão de que, num conto de fadas, ele bem podia ser um príncipe encantado e a sua escultura o beijo que despertou a princesa, há tantos anos adormecida no castelo e que agora parece ter acordado para a vida. Fico muito feliz que esta exposição tenha servido para alguma coisa. Só não sei é se esta história vai poder terminar como os restantes contos de fadas, todos a viverem felizes para sempre, pois como todos sabemos, esta exposição é temporária…
* Arquiteto Paisagista António Serrano