Parecia que estava a adivinhar… esperei até hoje para escrever o texto deste mês e, por coincidência ou não, muitos de nós acordaram com a mais surpreendente das notícias, o anúncio da eleição do novo presidente dos Estados Unidos. Não sou analista político nem sequer almejo vir um dia a sê-lo, no entanto, e mesmo não gostando muito de comentar os assuntos “do momento” entendo que hoje devo fazê-lo.
Em outras ocasiões eleitorais daquele país era, para nós portugueses, mais ou menos indiferente que quem fosse gerir os destinos da maior economia do mundo fosse democrata ou republicano. No entanto, este ano de 2016, já de si estranho, revelou aquilo que todos já sabemos… ainda não terminou e “até ao lavar dos cestos é vindima”, o que quer dizer que muito pode ainda acontecer ao enfermo mundo em que vivemos, aliás diariamente surgem notícias que nos fazem duvidar se algum dia o conseguiremos regenerar.

Estas eleições revestiram-se de uma importância acrescida pelo facto de haver um candidato com um discurso, na minha opinião, deplorável, absolutamente demente e completamente fora do tão propalado discurso do politicamente correcto, um sujeito que, pelo seu raciocínio, podemos classificar de xenófobo, misógino, incitador de violência e ódio, homofóbico e preconceituoso. Nunca tal havia sido observado no mundo moderno e nem mesmo a campanha a favor do Brexit do ex Mayor de Londres e membro do partido conservador Boris Jonhson, ou do eurocéptico líder do Partido da Independência do Reino Unido, mais conhecido por UKIP, Nigel Farage, chegou ao baixo nível da campanha eleitoral norte americana.
Em Agosto último escrevia nestas linhas do ARDINA o seguinte excerto: “Nos Estados Unidos da América, por exemplo, foi recentemente nomeado pelo partido republicano, como candidato à presidência do país, uma pessoa que, na minha opinião, é desprovida de qualquer tipo de sensibilidade e como consequência sem capacidade para presidir um dos países mais influentes do mundo. Pior do que isso é a sociedade que foi criada para que essa situação fosse hoje possível, não se conseguindo discernir um propagandista, aproveitador e ainda por cima xenófobo que se arrisca a ser presidente (lagarto… lagarto… lagarto) daquele que por muitos é considerado o país mais multicultural e multiétnico do mundo.” Passados três meses a minha opinião sobre o senhor continua a ser a mesma. No entanto, àquilo que escrevi, pode agora ser adicionada uma nova variável, a sua efectiva eleição para presidente dos Estados Unidos da América. Ainda assim, continuo a achar que não tem capacidade para presidir os destinos do seu país e considero mesmo que não tem sequer a noção do que lhe aconteceu nem daquilo que lhe foi “oferecido” pela livre vontade dos americanos expressa em votos nas urnas de cada um dos 50 estados daquele país. As notícias que hoje nos chegam da terra do “tio Sam” dão-nos conta de uma vitória absolutamente esmagadora do candidato republicano que consegue a maioria no Senado e no Congresso.
O resultado destas eleições reflecte agora, mais que nunca, que as pessoas estão efectivamente descontentes com a forma como os políticos gerem as suas vidas. Quem sabe, tudo isto do Brexit e das eleições norte americanas, não seja até bom para que os decisores políticos reflictam e comecem a pensar efectivamente nas pessoas e não só na economia. É que as pessoas têm necessidades… muito maiores que a economia… é que as pessoas são pessoas e é para elas que os governantes devem governar. Se essa reflexão for célere quiçá não se chegue a tempo de evitar mais preocupações do género das que aconteceram hoje noutros países do mundo.
Durante o dia de hoje (9 de Novembro) dei-me ao trabalho de ir lendo os comentários que iam surgindo nas diferentes redes sociais sobre a inesperada vitória do candidato republicano, onde nem as próprias sondagens lhe davam algum tipo de vantagem, daí a vitória se revelar surpreendente e inesperada. As opiniões que surgiram foram inúmeras e parece que toda a gente tinha uma sobre o assunto do dia. Umas mais sarcásticas, outras furiosas, umas mais tristes (a maior parte), outras muito divertidas, umas a favor, outras contra, umas que comparavam a série de desenhos animados dos Simpsons com a realidade, outras irónicas, outras ainda sobre teorias da conspiração, enfim, uma panóplia de opiniões que continuarão a proliferar nos próximos tempos por essa web fora.
Na minha opinião nenhum dos dois candidatos tem o perfil para ser presidente dos Estados Unidos, nem Trump nem Clinton. O primeiro por demonstrar tudo o que já aqui referi e a segunda não só por eventualmente se subjugar a interesses obscuros que quiçá lhe tenham financiado a própria campanha eleitoral como por não lhe reconhecer capacidade decisória para o exercício do cargo.
Dos muitos comentários que li, ainda antes destas eleições, o mais consensual, se assim lhe posso chamar, foi o “de um ao outro venha o diabo e escolha”. No entanto também li muitos a preferir o “sistema” de Hillary ao abuso de autoridade de Trump a quem muita gente considerou de perigoso. Talvez eu próprio também preferisse o mal menor do sistema instituído.
Na minha opinião nenhum dos dois candidatos tem o perfil para ser presidente dos Estados Unidos,nem Trump nem Clinton. O primeiro por demonstrar tudo o que já aqui referi e a segunda não só por eventualmente se subjugar a interesses obscuros que quiçá lhe tenham financiado a própria campanha eleitoral como por não lhe reconhecer capacidade decisória para o exercício do cargo.
Eu tenho para mim que o agora eleito 45º Presidente dos Estados Unidos não vai concretizar a maior parte das promessas eleitorais que fez. Concordo com o escritor
Miguel Esteves Cardoso que escreveu um artigo de opinião sobre o assunto que diz que
Donald Trump "
conseguiu o que queria. Há-de voltar as costas ao eleitorado que o elegeu logo que perceba que a única coisa que esse eleitorado tinha para lhe dar já foi dado: os votos de que ele precisava para ser eleito. Já fez o elogio de Hillary Clinton. Já disse que vai representar todos os americanos. Vai-se tornar lentamente um republicano moderado e liberal. Os oportunistas têm sempre essa vantagem da metamorfose". Aguardemos então essa metamorfose, talvez
Trump se transforme em
Donald Duck para animar isto um bocadinho mais. Não! Coitado do
Donald Duck! (
Walt Disney de certeza que se viraria na tumba só de pensar nisso).
Não costumo ser muito pessimista mas confesso que este acontecimento de hoje me deixou algo apreensivo e, no deslizar do dedo pelo meu smartphone, encontrei, através de uma amiga e colega, um pequeno texto, que quero aqui partilhar convosco, de uma entrevista de Al Berto à revista Ler em 1989 que reflecte um pouco daquilo que é o meu sentimento no dia de hoje: "Este Não-Futuro que a Gente Vive -
Será que nos resta muito depois disto tudo, destes dias assim, deste não-futuro que a gente vive? (...) Bom, tudo seria mais fácil se eu tivesse um curso, um motorista a conduzir o meu carro, e usasse gravatas sempre. Às vezes uso, mas é diferente usar uma gravata no pescoço e usá-la na cabeça. Tudo aconteceu a partir do momento em que eu perdi a noção dos valores. Todos os valores se me gastaram, mesmo à minha frente. O dinheiro gasta-se, o corpo gasta-se. A memória. (...) Não me atrai ser banqueiro, ter dinheiro. Há pessoas diferentes. Atrai-me o outro lado da vida, o outro lado do mar, alguma coisa perfeita, um dia que tenha uma manhã com muito orvalho, restos de geada… De resto, não tenho grandes projectos. Acho que o planeta está perdido e que, provavelmente, a hipótese de António José Saraiva está certa: é melhor que isto se estrague mais um bocadinho, para ver se as pessoas têm mais tempo para olhar para os outros". É um facto que me preocupa muitíssimo esta ausência de valores mas também me preocupa a pouca consciência que temos dos trilhos por onde andámos para chegarmos aqui, ao ponto em que estamos, ao mundo que temos. Ainda assim, e como sou uma pessoa de fé, tenho esperança que o mundo mude para melhor.
Do que li, a propósito do resultado destas eleições para a “Casa Branca” quero ainda destacar o que Gabriela Ruivo Trindade, vencedora do Prémio LeYa em 2013, a viver no Reino Unido, escreveu no seu Facebook:
“Não fossem os teus olhos, o mundo seria hoje um lugar muito mais feio.
(Devíamos enviar mensagens de amor. Eu dedico esta a todos os que amo. Hoje ganhou, mais uma vez, o ódio. Aconteceu o mesmo aqui com o Brexit e a doença vai continuar a espalhar-se. O pior é que já vimos este filme, e não sabemos como pará-lo: quanto mais inseguras e assustadas, quanto mais desesperadas, mais as pessoas se tornam presas fáceis do discurso do ódio. Porque é tão mais fácil arranjar bodes expiatórios do que procurar em si o que está mal. Dá tanto jeito arranjar culpados, desde que sejam os outros. O outro. É a união, a solidariedade, a empatia, o amor pelo outro que estão ameaçados. E contra o ódio, só existe um remédio: amor. Muito amor.)”
É verdade! Estão ameaçados… mas há defesas e essas não vivem só no amor, elas vivem também na palavra ESPERANÇA.
* Professor Luís Parente