Na passada segunda-feira, 14 de Junho, no seu espaço de opinião “2020, aliás 21”, no diário Correio da Manhã, Eduardo Cintra Torres abordou a candidatura ibérica ao Mundial de Futebol de 2030 e ainda, dois dias depois do anúncio do “casamento futebolístico”, o modo como o governo de Madrid tratou Portugal e exigiu vacinas aos “tugas” que quisessem passar a fronteira para o lado de “nuestros hermanos”, numa crónica intitulada “Final 2030 Olivença”.
Eduardo Cintra Torres escreveu que “o pequeno Portugal juntou-se à grande Espanha para se candidatarem a receber as provas finais do Mundial de Futebol em 2030. Rei de lá, presidente de cá, primeiros-ministros de cá e lá, todos juntinhos para Portugal parecer um apêndice de Espanha em 2030. Dois dias depois, o governo de Madrid tratou-nos como cães raivosos a precisar de vacinas, apesar de a Espanha estar com um nível de infeção covidiana superior ao da nossa santa terrinha. Depois corrigiu o tiro”.
O cronista CM chegou mesmo a propor que “se o Mundial de 2030 vier para a Ibéria dos Filipes” que a final se realizasse em “Olivença, terra portuguesa ocupada ilegalmente por Espanha” desde 1801, “com a complacência de quem mandou e manda por aqui (como hão-de eles respeitar-nos?)”.
Esta proposta de Eduardo Cintra Torres levou Ardina do Alentejo a chegar à conversa com o estremocense Carlos Luna, um dos mais acérrimos defensores da causa oliventina. Nesta breve conversa, o Professor Luna falou do orgulho que sente por ver que Olivença “não é esquecida” mas também por ver o esforço de Olivença em “não deixar morrer as suas raízes”. E a final do Mundial 2030 em Olivença? O historiador Carlos Luna preferiu falar da possibilidade de devolução de Olivença a Portugal, sabendo que a mesma “dificilmente terá lugar até 2030”. E até no Alqueva, Olivença tem influência...
Ardina do Alentejo - Para um defensor acérrimo da causa oliventina como o Professor, este é um artigo que o enche de orgulho e que o deixa com aquela sensação de que Olivença não está esquecida?
Carlos Luna - O que me enche de orgulho não é só ver que Olivença não é esquecida. É ver que Olivença se esforça por não deixar morrer as suas raízes. Fala-se agora, ao nível das autoridades locais (camarárias, culturais e escolares) em recuperar e dignificar o "Português Oliventino", que mais não é do que o alentejano tradicional, de há cinquenta anos, em mais de 95 % do vocabulário, com uma ou outra característica espanholizante local.
Por outro lado, os pedidos de nacionalidade portuguesa vão-se aproximando dos dois mil, em menos de oito anos. As iniciativas e espectáculos portugueses e/ou lusófonos sucedem-se. A Banda Municipal de Olivença tem vindo a Lisboa participar nos desfiles do 1.º Dezembro desde há dez anos, mais ou menos. E é isto que me orgulha.
Por outro lado, sinto alguma perturbação ao verificar que quase todos os jornais e revistas portugueses, de todas as tendências políticas, nada publicam sobre estes acontecimentos. Isso não me orgulha. Parece haver alguma estupefação perante estes desenvolvimentos, e mesmo incompreensão. É muito difícil, para muita da nossa intelectualidade, entender esta sobrevivência cultural popular numa região que vive sob domínio espanhol há 200 anos, submetida a constantes esforços de castelhanização. Na verdade, a imagem simplista de que ser português é algo de pouca valia cai por terra.
Deixando de parte o problema de soberania, que tem de ser discutido a outro nível, esta nova realidade mostra que a cultura portuguesa tem uma incrível capacidade de resistência no tempo. Parece é que as nossas elites, olhando só para aspectos económicos, ou de cultura entendida apenas como espaço de intelectualidade e de literacia, se esquecem de que há outros aspectos duma cultura que são realmente importantes.
Ardina do Alentejo - Seria utópico a final do Mundial 2030 em Olivença... E a devolução de Olivença a Portugal... Também é uma utopia?
Carlos Luna - A questão da devolução a Portugal não pode ser encarada com tal ligeireza. Não é uma utopia, é uma possibilidade, mas não em torno do futebol. Repare-se que Portugal não pode abdicar de Olivença, pois foi graças a esse problema que a Espanha teve de consentir no Alqueva tal como ele está. Desistir de Olivença é ter de ceder um terço do Alqueva a Espanha. E ninguém pensa nisso, ninguém fala nisso. É curioso.
É também colocar Olivença onde estava em 1801. Como diz a História espanhola, «En 1801, el território extremeño se veria repentinamente aumentado con la importante ciudad de Olivenza - ENTONCES TAN GRANDE Y POBLADA COMO BADAJOZ (SIC) -, conquistada a Portugal en la llamada Guerra de las Naranjas por el próprio Godoy(...)» ("História de Extremadura, de Marcelino Cardalliaguet Quirant, Biblioteca Popular Extremeña, Universitas Editorial, 1993). Isto significa que Olivença regrediu em termos de desenvolvimento e importância nos últimos 200 anos. Como se vai corrigir isso?
Todas estas coisas têm de ser bem estudadas. A população de Olivença quase nada conhece da sua verdadeira História, que não é ensinada nas escolas. Muitas vezes a repressão se abateu sobre ela, com particular violência na época franquista. Na verdade, características culturais diversas resistiram, e com muito maior força do que era esperado… como mostram acontecimentos recentes.
Mas... é preciso que tudo isto seja ponderado. Os oliventinos têm de ser ouvidos, de modo a nunca os prejudicar nessa transição. E isso dificilmente terá lugar até 2030...